09 abril, 2006


Preciso voltar. Voltar para a alegria despretensiosa de um almoço de terça-feira e para o suspiro rosa de cada fim de tarde. Preciso passar os vinte minutinhos que me restam antes do ônibus sair, dentro do sebo poeirento que fica ao lado do museu das botas gigantes. Aquele lugar abarrotado de cima a baixo por livros improváveis, onde você não consegue dar dois passos sem esbarrar naquele que comprou Dom Quixote sem capa e naquela que tenta esconder os romances de banca de jornal atrás dos volumes I e II do Tratado Sobre Pteridófitas do Devoniano. Preciso voltar para as florzinhas amarelas esmagadas no chão da praça - As mesmas flores que me lembram de um enterro que nunca existiu na cidade que só existiu na mente do meu escritor preferido. Preciso voltar a encontrar o Poeta imortalizado dentro da estátua de bronze e na essência de cada verso de amor e saudade escrito por lá. Preciso voltar a caminhar nas ruas da Cidade Baixa que é o único lugar do mundo em que você ouve uma cantada bem educada de um travesti mal montado e ganha uma goiaba com gosto de faz-tempo do senhor que vende frutas e flores na esquina. É pra lá que quero voltar. Para ela. Para os navios sem dono e para a cúpula de cobre. Para os perfumes caros e para o cheiro de pipoca de cinqüenta centavos. Para relembrar e para esquecer. Para construir. Tentar de novo. Para fazer parte do encanto frágil da cidade que me conquistou para sempre.

Preciso voltar para Porto Alegre.