Pés
Aos seis anos, enquanto ainda frequentava as aulinhas de balé, lembro muito bem da professora elogiando a minha capacidade de conseguir me equilibrar beeeem nas pontinhas dos pés e permanecer assim pelo tempo que ela pedisse. Ou andar assim. Ou correr assim. Ou assobiar e chupar cana assim. Lembro também que, por causa disso, era alvo de chacota de um vizinho meu, pois logo percebi que correndo na ponta dos pés, eu conseguia uma velocidade bem maior do que correndo com o pé todo plantado no chão. Era eu sair correndo, nas brincadeiras de pega-pega e o vizinho se dobrava de rir. Aquele mala.
O tempo passou, eu cresci uns parcos centímetros, mas os pés meio que estacionaram. Calço 34, às vezes 33(!), mas vou vivendo. Certo dia, fui comprar uma sandália numa loja de sapatos num shopping de Porto Alegre. Apontei um modelo na vitrine pro vendedor e ele foi buscar para eu experimentar. Sentei na cadeira, tirei o sapato e... o vendedor olhava pro meu pé embasbacado. Até pensei que tava com chulé, mas ele veio com essa:
- Quer que eu te ajude a calçar?
- Não!
Depois pensei que se você gosta de pés, nada melhor do que trabalhar em lojas de calçados, se você gosta de menininhos, nada melhor do que transformar seu sítio num imenso parque de diversões... enfim, divago.
E a vida ia seguindo seu rumo até o dia em que o dedão do meu pé direito parou de funcionar. Eu dizia:
- Dobra, dedão.
E ele nada.
- Dobra!
E ele lá, me olhando com aquela cara de terreno baldio. Desisti e recorri à autoridade mundial em se tratando de minha saúde e bem-estar:
- Mãe... meu dedão não funciona.
- Vamos ao traumatologista.
No consultório do médico, fui bem clara:
- Seguinte, doutor, meu dedão não funciona.
- Blablabla...
- Já faz quase duas semanas que ele tá dormente, não se mexe, não consigo nem usar chinelo, nem tamanco, porque o dedão simplesmente não consegue nem segurar o chinelo.
- !
- É...
- Hmm... pode ser uma atrofia na espinha, pólio, esclerose.< /House>
- !
- Tem que consultar o neurologista e fazer uma eletroBLABLABLABLAgrafia.
- Dói?
- É meio chato...
- Legal. E dói?
- Dói.
O exame consistia em enfiar agulhas nos meus nervos e dar choques.
No consultório do neurologista, ele me recebeu e logo foi falando aquilo que sempre te dizem quando você vai sofrer:
- É desconfortável, pode ser dolorido, mas quanto mais você estiver relaxada, melhor.
-
Na hora de me entregar os resultados ele disse:
- Tá vendo essa curva do teu pé?
- Ahan.
- Nunca vi uma curva tão ampla. Muito bonito. Você tem pés muito bonitos.
- Concordo.
No fim, não era nada demais. Saí de lá com a certeza de que meu dedão ficaria bom se eu parasse de cruzar as pernas o tempo todo, pois isso fazia com que eu "amassasse" meu nervo e com a comprovação científica de que tinha pés bonitos. Tem uma curva no exame pra provar.
Aos seis anos, enquanto ainda frequentava as aulinhas de balé, lembro muito bem da professora elogiando a minha capacidade de conseguir me equilibrar beeeem nas pontinhas dos pés e permanecer assim pelo tempo que ela pedisse. Ou andar assim. Ou correr assim. Ou assobiar e chupar cana assim. Lembro também que, por causa disso, era alvo de chacota de um vizinho meu, pois logo percebi que correndo na ponta dos pés, eu conseguia uma velocidade bem maior do que correndo com o pé todo plantado no chão. Era eu sair correndo, nas brincadeiras de pega-pega e o vizinho se dobrava de rir. Aquele mala.
O tempo passou, eu cresci uns parcos centímetros, mas os pés meio que estacionaram. Calço 34, às vezes 33(!), mas vou vivendo. Certo dia, fui comprar uma sandália numa loja de sapatos num shopping de Porto Alegre. Apontei um modelo na vitrine pro vendedor e ele foi buscar para eu experimentar. Sentei na cadeira, tirei o sapato e... o vendedor olhava pro meu pé embasbacado. Até pensei que tava com chulé, mas ele veio com essa:
- Quer que eu te ajude a calçar?
- Não!
Depois pensei que se você gosta de pés, nada melhor do que trabalhar em lojas de calçados, se você gosta de menininhos, nada melhor do que transformar seu sítio num imenso parque de diversões... enfim, divago.
E a vida ia seguindo seu rumo até o dia em que o dedão do meu pé direito parou de funcionar. Eu dizia:
- Dobra, dedão.
E ele nada.
- Dobra!
E ele lá, me olhando com aquela cara de terreno baldio. Desisti e recorri à autoridade mundial em se tratando de minha saúde e bem-estar:
- Mãe... meu dedão não funciona.
- Vamos ao traumatologista.
No consultório do médico, fui bem clara:
- Seguinte, doutor, meu dedão não funciona.
- Blablabla...
- Já faz quase duas semanas que ele tá dormente, não se mexe, não consigo nem usar chinelo, nem tamanco, porque o dedão simplesmente não consegue nem segurar o chinelo.
- !
- É...
- Hmm... pode ser uma atrofia na espinha, pólio, esclerose.< /House>
- !
- Tem que consultar o neurologista e fazer uma eletroBLABLABLABLAgrafia.
- Dói?
- É meio chato...
- Legal. E dói?
- Dói.
O exame consistia em enfiar agulhas nos meus nervos e dar choques.
No consultório do neurologista, ele me recebeu e logo foi falando aquilo que sempre te dizem quando você vai sofrer:
- É desconfortável, pode ser dolorido, mas quanto mais você estiver relaxada, melhor.
-
Na hora de me entregar os resultados ele disse:
- Tá vendo essa curva do teu pé?
- Ahan.
- Nunca vi uma curva tão ampla. Muito bonito. Você tem pés muito bonitos.
No fim, não era nada demais. Saí de lá com a certeza de que meu dedão ficaria bom se eu parasse de cruzar as pernas o tempo todo, pois isso fazia com que eu "amassasse" meu nervo e com a comprovação científica de que tinha pés bonitos. Tem uma curva no exame pra provar.